O Observatório da Torre Alta da Amazônia (ATTO) registrou três eventos intensos de poeira vinda do deserto do Saara no primeiro trimestre de 2025. A infraestrutura científica equipada com sistemas avançados e sofisticados capta o ar na atmosfera e identifica o material particulado. O monitoramento realizado de modo ininterrupto, 24 horas todos os dias, está auxiliando na melhor compreensão sobre a interação entre a maior floresta tropical do mundo e a atmosfera.
O ATTO é um programa científico do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), coordenado pelo Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (INPA) em cooperação internacional com o Instituto Max Planck da Alemanha, que monitora os processos da atmosfera e da conexão com a floresta, desde o solo até a alta atmosfera, e como a floresta influencia no clima.
- Gráfico com registros da detecção de poeira do Saara na floresta Amazônia no primeiro trimestre de 2025. Fonte: ATTO
De acordo com os dados de monitoramento, os três episódios com maior concentração de partículas foram observados entre 13 e 18 de janeiro, 31 de janeiro e 03 de fevereiro, e 26 de fevereiro e 03 de março. As concentrações atingiram valores entre 15 e 20 μg/m³ de PM2.5 (material particulado menor que 2.5μm de diâmetro), o que significa que são de 4 a 5 vezes mais altas no período em comparação com a média registrada na estação chuvosa na Amazônia, que é de cerca de 4 μg/m³.
De acordo com Rafael Valiati, doutorando em física atmosférica no Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), que trabalha com esses dados em sua tese, o registro de partículas minerais vindas do Saara é comum entre dezembro e março. Os eventos observados no primeiro trimestre foram “razoavelmente” intensos, mas não em níveis inéditos. “No primeiro semestre do ano, a atmosfera na Amazônia é geralmente dominada por partículas de origem natural, com emissões da própria floresta. Comumente, as concentrações são muito baixas. As perturbações causadas pelo transporte de poeira são bastante visíveis na série temporal”, explica Valiati.
No transporte intercontinental, a poeira do Saara é carregada pelas correntes de ar na troposfera livre, principalmente, entre 2km e 5km de altitude. Tempestades com fortes ventos no deserto suspendem as partículas empurrando até essa altitude. Dependendo da circulação atmosférica e das condições meteorológicas, as partículas são depositadas a milhares de quilômetros de distância.
Valiati explica que o transporte transatlântico das partículas do deserto do Saara até a floresta Amazônica ocorre quando os ventos convergem na Zona de Convergência Intertropical, que se posiciona mais ao sul nos primeiros meses do ano, quando é verão no hemisfério sul. A partir do meio do ano, a convergência fica um pouco mais ao norte, quando a poeira do Saara é registrada, ocasionalmente, no Caribe e na América do Norte.
A distância transatlântica entre África e a América é mais de 5 mil km. O tempo de transporte das partículas depende da velocidade dos ventos, pode levar entre 7 e 14 dias.
“A intensidade desses episódios é bastante variável na Amazônia, pois depende da quantidade de poeira que foi lançada na atmosfera no Saara, da velocidade do vento ao longo do transporte, e, principalmente, da precipitação, pois a chuva remove as partículas da atmosfera. Para observarmos a poeira com alguma intensidade aqui na América do Sul, a massa de ar que saiu lá do Saara precisa passar por todo esse transporte sem sofrer precipitação”, detalha o pesquisador.
As partículas são detectadas por múltiplos instrumentos científicos instalados no topo da ATTO, torre com 325 metros de altura instalada no meio da floresta. Os equipamentos avaliam diversos aspectos da composição atmosférica, como propriedades físicas, tamanho das partículas e composição química. As partículas de poeira do Saara, geralmente, são um pouco maiores do que as de outras origens, como as emissões da própria floresta ou fumaça de queimadas, por exemplo. A composição química também difere do que é observado na Amazônia. “Se vemos que aumentou rapidamente a concentração de partículas maiores, é bem possível que seja um evento de transporte de poeira mineral”, relata o pesquisador sobre a concentração de partículas na atmosfera nos primeiros meses do ano.
Os efeitos do depósito da poeira do Saara sobre a Amazônia estão sendo estudados. “O que já se sabe é que o potássio e o fósforo da poeira mineral contribuem, no longo prazo, para a manutenção da fertilidade do solo, que em geral é muito pobre”, afirma o pesquisador do INPA e coordenador do ATTO pelo lado brasileiro, Carlos Alberto Quesada.
O monitoramento atmosférico na Amazônia é muito relevante. As medidas de aerossóis e parâmetros meteorológicos, concentrações de gases de efeito estufa, e vários parâmetros importantes sobre o solo e a biosfera têm contribuído para avançar na fronteira do conhecimento. Os aerossóis, por exemplo, contribuem para o ciclo da água, agindo como núcleos de condensação de nuvens. O pesquisador destaca que as relações entre os diferentes tipos de partículas, as concentrações absolutas observadas e o clima da região são bastante complexas. “Esse conjunto de dados juntamente com o esforço de inúmeros cientistas é fundamental para a compreensão da resposta do ecossistema amazônico às mudanças climáticas e de uso do solo que têm ocorrido nas últimas décadas”, afirma.