A Amazônia está preocupantemente contaminada por plásticos. Um levantamento recente explorou e sintetizou a literatura científica sobre esse tipo de poluição (macro, meso, micro e nanoplástico) em diversos cenários ambientais, como fauna, flora, sedimentos e água. Foi constatado que os riscos não são somente aquáticos e terrestres, mas também envolvem danos à saúde humana, especialmente das populações em vulnerabilidade.
O alerta está em um estudo coordenado pelo Laboratório de Modelagem em Estatística, Geoprocessamento e Epidemiologia (Legepi), do Instituto Leônidas & Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia). O trabalho foi feito em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, entidade vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Com um impacto ainda pouco dimensionado, a poluição por resíduos plásticos na Amazônia desafia a ciência e levanta uma série de interrogações sobre seus riscos para diferentes formas de vida. As populações ribeirinhas e indígenas, por exemplo, estão diariamente expostas a toneladas de lixo flutuante. Esse material é descartado tanto por moradores de diferentes áreas urbanas e embarcações quanto pelas próprias comunidades diretamente atingidas, o que contribui para que esses resíduos cheguem aos oceanos.
O estudo foi publicado na Revista AMBIO, periódico voltado para uma audiência global e que dá prioridade a avaliações das interrelações entre ambiente e sociedade. O epidemiologista da Fiocruz Amazônia e coordenador do estudo, Jesem Orellana, explica que o levantamento foi desenhado devido à inadiável necessidade de se encarar o problema, sobretudo em tempos de COP-30 na Amazônia, palco propício para a discussão de soluções e respostas contundentes à mitigação dos seus efeitos.
Ele destaca que 14 de agosto foi o prazo proposto pela Organização das Nações Unidas para que cerca de 180 países concluíssem a elaboração do primeiro tratado global contra a poluição plástica. “Por isso, o momento parece oportuno para discutir os intrigantes resultados dessa revisão de escopo da literatura científica, a primeira a aplicar um protocolo sistemático [Prisma-ScR] para avaliar a contaminação por plástico em ecossistemas amazônicos”, afirma.
Segundo Orellana, o impacto pode ser maior que o observado. “Revisamos 52 estudos, avaliados por pares, com uma gama de relatos sobre lixo e fragmentos de plástico em ambientes terrestres e aquáticos do bioma Amazônico, o que indica um impacto muito maior do que a maioria das pessoas imagina”, afirma o pesquisador.
Crise global
O artigo Plastic Pollution in the Amazon: The First Comprehensive and Structured Scoping Review é fruto de uma parceria entre o Instituto Mamirauá e do ILMD/Fiocruz Amazônia. A bióloga e colaboradora do Legepi Jéssica Melo é a primeira autora da revisão que evidencia a presença de plástico do leste a oeste da Amazônia, tanto em ambiente aquático como terrestre. Ela também indica a necessidade de mais pesquisas na área.
“A poluição por plástico é uma crise global de Saúde Única, mas estudos têm se concentrado em ambientes marinhos. A Amazônia — maior bacia hidrográfica do mundo e com o segundo rio mais poluído por plástico — tem recebido atenção científica limitada”, avalia a autora. Ela enfatiza que nenhum estudo relatou presença de nanoplásticos na Amazônia, por exemplo, algo que vem ganhando maior atenção em outras regiões do planeta. “A contaminação de fontes importantes de alimentos e de água representa um grande risco para a Saúde Única de populações tradicionais. Identificamos lacunas urgentes em pesquisas — especialmente em fauna não piscícola, tributários, áreas remotas e outros países amazônicos — e destacamos a necessidade de mitigação direcionada por meio da gestão de resíduos e educação”, observa.
Os autores do Instituto Mamirauá vivem em Tefé, no interior do Amazonas, e trabalham diretamente com comunidades ribeirinhas, onde não há infraestrutura para coleta de lixo. Antigamente, os resíduos eram majoritariamente orgânicos ou biodegradáveis — cascas de frutas, espinhas de peixe — mas, hoje, há garrafas PET e pacotes de macarrão instantâneo boiando nos rios.
“Enquanto cidades como Rio de Janeiro e Salvador avançam com proibições de alguns derivados de petróleo, como canudos de plástico e embalagens de isopor, não conheço nenhum município no interior do Amazonas que ofereça reciclagem de plásticos ou medidas para reduzir seu impacto”, diz a pesquisadora. “Precisamos de políticas públicas que ofereçam soluções concretas para o crescente acúmulo de lixo plástico na Amazônia, mas que levem em conta desafios cruciais, como o isolamento de muitas comunidades”, alerta.