Brasil concentra entre 10% e 20% de toda a biodiversidade do planeta e está entre os países que mais têm estudos prevendo os impactos da mudança do clima. A professora do departamento de Ecologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e integrante da Rede Clima, Mariana Vale, está entre os autores que compilaram e analisaram mais de 20 mil projeções de risco para 7,5 mil espécies da biodiversidade brasileira, considerando os cenários de mudança climática. O estudo de síntese aponta que, se a mudança do clima continuar no ritmo atual, mais de 90% das espécies analisadas sofrerão impacto negativo e 25% devem estar ameaçadas de extinção. Isso significa que uma a cada quatro espécies pode entrar em risco de extinção.
“Manter-se dentro das metas do Acordo de Paris é muito importante para a conservação da biodiversidade no Brasil”, afirma. “Nossa síntese mostra que a gente pode reduzir pela metade o número de espécies ameaçadas de extinção”, detalha Vale sobre a relevância dos esforços em reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
O Acordo de Paris, que completa 10 anos em 2025, estabelece metas para “manter o aumento da temperatura média mundial bem abaixo dos 2oC em relação aos níveis pré-industriais e envidar esforços para limitar o aumento a 1,5oC”.
A caminho da Universidade de Birmingham, na Inglaterra, para participar da Cátedra Chico Mendes de Biodiversidade, onde executa o projeto ‘Mudanças climáticas e Biodiversidade: uma perspectiva do Sul Global’, a pesquisadora falou sobre os impactos do aumento das temperaturas e dos padrões de precipitação para os biomas, os caminhos para reduzir os impactos na biodiversidade brasileira e
Leia a entrevista completa:
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Projeto Ciência&Clima: Atualmente, o que é mais importante na agenda de biodiversidade e mudança do clima para o Brasil?
Mariana Vale: Na minha opinião, o que é mais importante na agenda de conservação da biodiversidade hoje é trabalhar essa sinergia natural que existe entre conservação da biodiversidade e adaptação climática da sociedade brasileira. A natureza é um grande aliado para aumentar a resiliência da sociedade às mudanças climáticas, tanto na cidade quanto no campo. O Brasil tem um capital natural que é ímpar, então é preciso que esse capital seja usado de forma inteligente a nosso favor. Para garantir um futuro com prosperidade, mas de forma justa, equitativa e sustentável. Eu acho que vem daí a solução tanto para os problemas relacionados às mudanças climáticas, como outros problemas que o país enfrenta.
Projeto Ciência&Clima: As projeções apontam que o Pantanal, a Floresta Amazônica e a Mata Atlântica são os mais afetados pela mudança do clima. Por quê?
Mariana Vale: A síntese dos impactos projetados das mudanças climáticas sobre a biodiversidade brasileira aponta para três biomas que devem fortemente impactados pelas mudanças climáticas: o Pantanal, a Amazônia e a Mata Atlântica.
Os resultados [da síntese] para o Pantanal, no entanto, não são muito confiáveis, porque eles são baseados em poucos estudos. Infelizmente, há poucos estudos sobre essa temática no Pantanal.
Os resultados para Amazônia e Mata Atlântica, ao contrário, são muito confiáveis porque existem muitos estudos. A maioria dos estudos é sobre esses dois biomas. Esses biomas, que possuem uma biodiversidade incrível são altamente biodiversos e que já estão sendo fortemente impactados pelas mudanças climáticas. Na Amazônia, já vemos um aumento de eventos de seca e uma redução da precipitação. Isso deve se intensificar no futuro. Na Mata Atlântica, vemos um quadro heterogêneo em que a porção norte vai se tornar mais seca e a porção sul com episódios de chuvas mais intensas.
Essas mudanças intensas no clima vão impactar fortemente a distribuição geográfica das espécies. Para esses dois biomas, espera-se uma contração da distribuição geográfica das espécies, causando um impacto negativo muito grande, inclusive com previsão de muitas espécies chegando em vias de extinção.
Projeto Ciência&Clima: O Brasil concentra entre 10 e 20% de toda a biodiversidade global, e a análise de mudanças observadas no clima apontam que, nos últimos 60 anos, houve alterações importantes nos padrões de chuva e na tendência de temperaturas máximas. O que isso significa para o futuro da biodiversidade do país?
Mariana Vale: O Brasil tem muitos estudos nesta temática. É um dos países que mais estuda os possíveis impactos das mudanças climáticas sobre sua rica biodiversidade. Nós fizemos uma síntese dos impactos das mudanças climáticas sobre a biodiversidade brasileira, baseada em estudos elaborados sobretudo por pesquisadores brasileiros. Observamos que a maior parte dos estudos aponta para impactos negativos da mudança climática.
Cerca de 90% das espécies avaliadas terão impactos negativos das mudanças climáticas e esses impactos negativos se dão pelo fato de que essas mudanças nos padrões de precipitação e temperatura fazem com que o clima ao qual as espécies estão adaptadas e evoluíram passa a não existir mais no futuro.
A distribuição das espécies vai contraindo, contraindo e, para algumas espécies, contrai a tal ponto que elas entram em risco de extinção. Segundo a nossa síntese, 25% das espécies devem entrar em risco de extinção no futuro, nos cenários mais pessimistas de emissões de gases de efeito.
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Projeto Ciência&Clima: Quais seriam os caminhos para reverter esses processos?
Mariana Vale: Sempre houve mudanças climáticas na história ecológica da Terra. Isso não deveria ser uma novidade para as espécies. Inclusive, mudanças climáticas fazem parte da história evolutiva de muitas espécies. Mas o que acontece hoje, que é diferente do que aconteceu no passado, é que as mudanças climáticas que a gente vivencia hoje acontecem em paisagens que são altamente modificadas pelo homem. Isso dificulta demais a capacidade de resposta das espécies a essa mudança. Se o clima muda, as espécies têm muita dificuldade de se adaptar ou de mudar sua distribuição, se deslocar para outras áreas que ainda mantém o clima ao qual elas estão adaptadas.
Nessas paisagens que são extremamente degradadas existe a perda de habitat, a poluição dos rios para animais de ambientes de água doce e dos oceanos para os animais marinhos, existe o sobreuso, a caça, a sobrepesca. Todas essas pressões adicionais fazem com que essas espécies tenham muita dificuldade de responder às pressões das mudanças climáticas.
Por isso, a melhor maneira de aumentar a resiliência da biodiversidade às mudanças climáticas é reduzir os estressores não climáticos. O que é isso? Reduzir a perda de hábito, reduzir a sobre-exploração de espécies, conter as espécies invasoras, trabalhar em estratégias para aumentar o número de unidades de conservação, fazer com que essas unidades de conservação sejam criadas já pensando em cenários de mudanças climáticas. Trabalhar nesses estressores não climáticos é a estratégia que a gente tem para aumentar a capacidade da natureza de responder às mudanças climáticas em andamento.
Enquanto ajudamos a natureza a se fortalecer, também estamos nos fortalecendo, porque a natureza é uma grande aliada na adaptação da sociedade às mudanças climáticas. A natureza fornece diversos serviços ecossistêmicos que tornam a sociedade mais resiliente às mudanças climáticas. Os ecossistemas ajudam na regulação climática, na regulação hídrica, na provisão de água em qualidade e em quantidade necessária. Em termos de sistemas agrícolas, os ecossistemas saudáveis ajudam na provisão de polinizadores. Tudo isso aumenta a nossa resiliência a toda instabilidade climática.
Projeto Ciência&Clima: A redução de emissões para conter o aquecimento global sob o Acordo de Paris é relevante para a preservação da biodiversidade?
Mariana Vale: Com certeza, manter-se dentro das metas do Acordo de Paris é muito importante para a conservação da biodiversidade no Brasil. A nossa síntese mostra que a gente pode reduzir pela metade o número de espécies ameaçadas de extinção se a gente conseguir se manter dentro das metas do acordo de Paris.