Em meio ao avanço da crise climática, cientistas simulam o futuro da Amazônia para entender como a floresta mais importante do planeta vai reagir ao aumento de gás carbônico na atmosfera. O experimento AmazonFACE, um dos mais ambiciosos do mundo em florestas tropicais, foi o tema do workshop “Ciência e Política em Mudanças Climáticas”, que reuniu especialistas brasileiros e estrangeiros e gestores públicos no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), nesta quarta-feira (16).
Durante o evento, ministra Luciana Santos anunciou que o AmazonFACE será inaugurado antes da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), marcada para novembro, em Belém. Os testes de engenharia e científicos estão previstos para começar no segundo semestre deste ano. “Eu tenho muita alegria de anunciar aqui que, antes da COP30, o nosso AmazonFACE já estará pronto com a infraestrutura funcional”, afirmou.
A ministra também pontuou que o workshop tem um papel estratégico ao promover o diálogo entre cientistas, formuladores de políticas e representantes dos ministérios que compõem o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. “Estamos reconhecendo a importância da ciência para enfrentarmos nossos problemas e também como base para decisões robustas, informadas e justas”, destacou.
Carlos Alberto Quesada, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e um dos líderes do projeto, reforçou a urgência do momento vivido pela floresta.
“A gente está vivendo um momento da Amazônia, um momento da humanidade, muito específico. Até bem pouco tempo atrás, falava-se em mudança climática como algo do futuro, mas a verdade é que a Amazônia já está em mudança há bastante tempo. Desde os anos 1970, observamos uma queda na capacidade da floresta de retirar carbono da atmosfera”, explicou.
O AmazonFACE está sob gestão da Secretaria de Políticas e Programas Estratégicos (SEPPE) do MCTI. Segundo a secretária Andrea Latgé, a articulação entre ciência e política é fundamental.
“A pesquisa, que é essencial para o desenvolvimento tecnológico e social de qualquer país do mundo, vem sendo sustentada pelo suporte de políticas públicas. Realizar um evento como este, reunindo a academia, a ciência e os gestores que vão tomar decisões e estabelecer prioridades, é fundamental”, disse.
AmazonFACE: experimento único no coração da Amazônia
Desenvolvido pelo MCTI em parceria com instituições do Brasil e do Reino Unido, o AmazonFACE é o principal projeto de cooperação científica entre os dois países na área climática. Criado em 2015, o programa é coordenado por pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Met Office (Instituto Meteorológico do Reino Unido).
A iniciativa busca responder a uma pergunta central: como as mudanças climáticas afetarão a floresta amazônica, a biodiversidade que ela abriga e os serviços ecossistêmicos que fornece à humanidade? A resposta envolve anos de pesquisa em campo, modelagens computacionais e observações diretas dos efeitos do aumento do CO₂ sobre a vegetação nativa da Amazônia.
FACE: tecnologia para simular o futuro
Para realizar a pesquisa, o projeto utiliza a tecnologia FACE (Free-Air CO₂ Enrichment), que eleva a concentração de dióxido de carbono ao ar livre, em condições naturais. Com isso, os cientistas conseguem observar, por exemplo, se as plantas crescem mais rapidamente, como muda a fotossíntese, a produção de frutos, flores e sementes, e como se comportam as interações entre as espécies.
Diferente dos estudos realizados em estufas ou câmaras de crescimento, os experimentos com FACE simulam de forma mais realista os ambientes naturais, incluindo fatores como vento, chuva, solo, insetos e a própria competição entre plantas. Essa abordagem amplia a precisão das previsões sobre os efeitos das mudanças climáticas nos ecossistemas.
Saberes locais
Apesar de a tecnologia FACE já ser utilizada em diversos países, esta é a primeira vez que será aplicada em uma floresta tropical. Nesse contexto, destaca-se a atuação da área socioambiental do AmazonFACE, que combina saberes ecológicos locais com experimentação científica e modelagem climática.
Essa linha de pesquisa busca entender como o aumento do CO₂ e as mudanças climáticas afetam os serviços ecossistêmicos prestados pela floresta, tanto para as populações amazônicas quanto para o equilíbrio climático global.
Além de fortalecer a produção científica sobre a Amazônia, o AmazonFACE oferece subsídios para a formulação de políticas públicas em áreas estratégicas, como segurança alimentar, produção de energia limpa, reflorestamento e combate às mudanças climáticas.
Carlos Quesada destacou o papel da ciência brasileira nesse esforço. “Essa ciência que estamos propondo é ciência básica – um projeto de ecologia, de ecossistemas, de biogeoquímica –, mas os elementos que estamos estudando são fundamentais para esclarecer e enfrentar os desafios que vêm pela frente. O AmazonFACE é uma oportunidade para pensar a Amazônia do futuro e trabalhar na preparação e adaptação com antecedência, em vez de apenas reagir aos impactos da emergência climática”, disse.
Intercâmbio de experiências
O workshop também promoveu um intercâmbio de experiências entre pesquisadores brasileiros e britânicos, ampliando o diálogo entre ciência e formulação de políticas em áreas como agricultura, energia, justiça climática e desenvolvimento regional.
Representantes de diversos ministérios federais participaram, incluindo as pastas dos Povos Indígenas, Meio Ambiente, Agricultura e Pecuária, Cidades, Desenvolvimento Agrário, Fazenda, Minas e Energia, Desenvolvimento, Indústria, Comércio, Planejamento e Orçamento, Relações Exteriores e Integração e Desenvolvimento Regional. A presença das pastas reforça o compromisso do governo em integrar evidências científicas à formulação de políticas públicas em todas as áreas.
Além da ministra Luciana Santos, participaram da mesa de abertura o vice-embaixador do Reino Unido no Brasil, Tony Kay; o especialista do Comitê de Mudança do Clima (CCC) e líder de pesquisa de impactos climáticos do Met Office, Richard Betts; o secretário adjunto da Secretaria de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República, Adriano Santhiago de Oliveira; o coordenador do Programa AmazonFACE, Carlos Nobre (INPA); e a coordenadora da área socioambiental do projeto, Maira Padgurschi (CNPEM).